1 de fevereiro de 2012

GERALDO PAULINO SANTANNA

Geraldo Paulino Santanna.
O salinense Geraldo Paulino Santanna foi um dos mais expoentes políticos da história de Minas Gerais. A sua trajetória política se iniciou em Salinas ao derrotar nas urnas em 1958, para prefeito, candidato apoiado pelo até então líder político da região, Cel. Idalino Ribeiro.


Por Roberto Carlos Morais Santiago
editor do blog História de Salinas


Durante mais de meio século o político salinense Geraldo Paulino Santanna testemunhou os bastidores da política de Salinas e Minas Gerais. Foi vereador, prefeito, deputado estadual e secretário de estado. Serviu vários governadores de Minas Gerais, muitos deles adversários entre si. Cumpriu missões sigilosas, fez arranjos e alianças políticas. Foi um autêntico político de bastidor e teve participação em importantes momentos da política mineira.

Filho de Olyntho Prediliano Santanna e Dinorah Paulino Santana, Geraldo Paulino Santanna nasceu em Salinas no dia 28 de novembro de 1925. Nasceu numa época em que o Brasil e Minas Gerais respiravam a República Velha. O governador de Minas Gerais era Fernando de Melo Viana (1924-26). No interior de Minas se praticava a velha política coronelista. Em Salinas e região o chefe político era o Coronel Idalino Ribeiro (1879-1973), por mais de 40 anos.

Ainda jovem Geraldo Santanna cursou o primário em Salinas, na Escola Estadual “Dr. João Porfírio”, entre 1934-37. Estudou o ginásio no “Dom Silvério”, em Sete Lagoas, entre 1938-42. O científico foi concluído no tradicional “Afonso Arinos”, em Belo Horizonte, nos anos de 1943-44.

Retornou para Salinas como contínuo e funcionário do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Logo foi transferido para Curvelo, onde deixou o emprego e retornou à terra natal.

Novamente em Salinas, com a ajuda do avô Basílio Ferreira Paulino, passou a exercer atividade rural no ramo de compra de animais na região para revender em Itabuna, Bahia. O avô Basílio foi importante na sua vida, uma vez que foi co-responsável pela sua criação, educação, trabalho e lhe deu suporte em suas ações. Era fazendeiro e militar. Em 1911 foi agraciado com o título de Capitão Cirurgião da Guarda Nacional, concedido pelo presidente da República, Hermes da Fonseca.

Em 1946, aos 21 anos, casou-se com Maria (...) com quem teve seis filhos. Após o nascimento do primeiro filho, o avô Basílio resolveu passar para o neto a fazenda Bela Vista, distante seis quilômetros de Salinas, que dividia, pelo rio Salinas, com a fazenda Barreiro, de propriedade do deputado Chaves Ribeiro, filho do Coronel Idalino Ribeiro, chefe político de Salinas e região.

Certo dia, com a intenção de ir até a sede da fazenda Barreiro, deparou-se com a porteira da fazenda destruída e havia ali uma cerca de arame farpado impedindo passagem de transeuntes. Entendeu que o acesso àquela fazenda estava fechado.

Naquele período, todos viviam em torno do conceito de orientação do Coronel Idalino Ribeiro, cuja palavra era derradeira para todos. O jovem Geraldo Santanna dirigiu-se ao coronel e relatou o fato da porteira quebrada na entrada da fazenda do filho Chaves Ribeiro no que impedia o trânsito de pessoas pela estrada velha. O coronel prometeu resolver o problema.

Entretanto, o jovem Geraldo Santanna ficou desconfiado e achou que a interdição da estrada por meio do bloqueio da porteira da fazenda Barreiro tinha sido obra do próprio coronel. Não satisfeito e desconfiado, pouco tempo depois resolveu vender a fazenda Bela Vista ao primo Moacir Ribeiro, também sobrinho do coronel Idalino Ribeiro.

O episódio da porteira da fazenda Barreiro foi determinante na vida do jovem Geraldo Santanna. Passou a observar os bastidores da política local e os seus principais atores como Coronel Bernardino Costa, Coronel Procópio Cardoso, Coronel Moisés Ladeia e o próprio Coronel Idalino Ribeiro. Certa vez foi chamado pelo Coronel para uma repreensão, pois este ficara sabendo de sua simpatia pela atividade política do Coronel Procópio Cardoso. Não obstante as ameaças e próximo o pleito eleitoral, resolveu se candidatar a vereador pela oposição.

Eleito vereador e empossado (1951-55) iniciou atividade parlamentar fazendo forte oposição à política situacionista chefiada pelo Coronel Idalino Ribeiro, cujo prefeito de Salinas era Miguel de Almeida (1951-55). O seu primeiro grande ato político foi o pedido de transcrição nos anais da Câmara Municipal de Salinas de carta do Coronel Idalino Ribeiro ao governador Benedito Valadares pedindo para não consentir a emancipação do distrito de Taiobeiras. Eis o teor da carta:

“Sr. Governador,

Saúde,

Regressando ao norte até 22 corrente, peço ao prezado amigo, não consentir que o distrito de Taiobeiras, sem renda, sem gente, sem território bom, e sem nenhum melhoramento, seja elevado a município. Principalmente, querendo tomar a melhor faixa de terreno que existe no município de nossa Salinas, a melhor que temos.

Abraços agradecimento do velho amigo admirador,

Idalino

Capital, 16/11/43.”

__________
(Fonte: SANTANNA, Geraldo Paulino. O Caminho de Volta – A Travessia do Deserto. Belo Horizonte: 2004, página 69).



A emancipação de Taiobeiras ocorreu em 1953, com o apoio da Câmara Municipal de Salinas e da liderança do jovem vereador Geraldo Santanna. O episódio demonstrou novo contorno na política coronelista de Salinas que teria muitos desdobramentos a partir de então.

Alguns anos depois, foi eleito prefeito de Salinas (1959-63) sucedendo o prefeito Cândido José da Costa (1955-59). Surgia no município nova liderança política que resultou na decadência política do então todo poderoso político local, o temido Coronel Idalino Ribeiro, que até então reinava absoluto com mãos de ferro a política de Salinas e região por mais de quarenta anos a partir de 1918 até meados da década de 1950. O jovem político Geraldo Santanna encerrava o ciclo dos políticos coronéis.

A sua trajetória política foi intensa. Em Salinas foi vereador (1951-55) e prefeito por duas vezes (1959-63 e 2000-03). No plano estadual foi deputado por três vezes (1967-71, 1991-95 e 1995-99), chefe de gabinete da Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas (1956); diretor-superintendente da Cemig (1964); assessor do governador pela Secretaria de Estado de Assuntos Municipais (1963-64 e 1983-85), secretário de estado da Secretária Extraordinário de Estado para Assuntos Políticos (1986-87), secretário de estado da Secretaria de Estado de Minas e Energia (1987), presidente da Cemig (1987-88), secretário de estado da Secretaria de Estado de Assuntos Municipais (1989-90).

Teve participação no alto escalão dos governos de Bias Fortes (1956-60), Magalhães Pinto (1961-66), Israel Pinheiro (1966-71), Rondon Pacheco (1971-75), Aureliano Chaves (1975-78), Francelino Pereira (1979-83), Tancredo Neves (1983-84), Hélio Garcia (1984-87), Newton Cardoso (1987-91), Hélio Garcia (1992-96), Eduardo Azeredo (1996-99) e Itamar Franco (1999-00).

Como homem público foi condecorado com a Ordem do Mérito Legislativo, Medalha Santos Dumont, Medalha da Inconfidência, Medalha de Mérito da Defesa Civil de Minas Gerais, Medalha Alferes Tiradentes e Diploma de Colaborador Emérito do Exército nacional.

O seu último ato político foi ser prefeito de Salinas pela segunda vez (2000-05) em coligação política nunca admitida em Salinas com o rival Péricles Ferreira dos Anjos. Não completou o mandato. Renunciou ao cargo no dia 13 de janeiro de 2003 e passa o cargo ao vice-prefeito Péricles Ferreira dos Anjos. Encerra-se ciclo político de um dos homens mais influentes de Minas Gerais da segunda metade do século XX. O último ato político foi mensagem ao presidente da Câmara Municipal de Salinas:

“Salinas, 13 de janeiro de 2003.

Excelentíssimo senhor vereador presidente da Câmara Municipal de Salinas,

1. Da Renúncia

Venho renunciar, como de fato renunciado tenho, ao mandato de prefeito municipal de Salinas, cujo término seria em janeiro de 2005.
Ato unilateral, resultante de vontade própria, independe de apreciação dessa E. Casa, cujo término seria em janeiro de 2005.

2. Da declaração de Bens – Acompanha a presente Declaração de Bens, na forma do que escreve a lei. Permito-me ressaltar que, se comparada à afeita por ocasião de minha posse, há de se concluir que, embora em pequena escala, meu patrimônio decresceu.

3. Das grandes obras – Ao assumir em fevereiro de 1959 a prefeitura de Salinas, o fiz com a missão, reiteradamente reclamada por Bernardino Costa, de lutar pela implantação e consolidação da “liberdade” em nossa região, a que logramos ter relativo êxito ao final daquele nosso mandato. A aquisição agora do Edifício Cel. Idalino Ribeiro para sede da prefeitura, a par de seu grande valor material, foi inspirada sobretudo no seu valor histórico, pois dali emanava o poder absoluto e incontestável de uma época.

Ao assumir em 2000 a candidatura a prefeito de Salinas, o fiz para atender ao clamor da população, bem interpretado na convocação do ilustre deputado Péricles Ferreira dos Anjos, juntos, estabelecer um “basta” ao vendaval de corrupção que abateu a moral e a ética na sucessão de responsáveis pela administração municipal, cujos desvios de conduta e de conceitos se transformaram repentinamente numa ‘cultura’. Não descuramos da difícil tarefa e a própria sociedade, na sua grande maioria, já dá sinais de que nos entendeu e aplaude seus primeiros resultados. Por isso e também por ser titular da iniciativa o deputado Péricles Ferreira, todos confiamos em que, certamente, ele completará a missão de restabelecer a moralidade e o respeito à coisa pública em nossa região (...).

3.2 No campo das realizações materiais, ao longo desses anos que se passaram, a par das obras de esgoto sanitário que só agora se desencadeiam na cidade, dotamos nossa terra de água doce e energia elétrica em abundância, de comunicação telefônica e rodoviária com o País, e, com a construção das primeiras passarelas sobre o rio Salinas, e o projeto de avenidas sanitárias ao longo de nossos rios; e, sem descuidarmos da recuperação e preservação de nossos mananciais, e com a perspectiva de construção de grande e moderno mercado na Praça ‘São Miguel’, do bairro São Geraldo, completamos a ‘sinalizar’ da direção para a qual a cidade deva também se desenvolver, não estando fora de propósito, com isso, a inserção da área que contorna a grande barragem sobre o rio Salinas, no seu contexto.

4 . Afinal, aos Senhores vereadores que entenderam e colaboraram aos que também não o fizeram por terem pleitos pessoais por nós contrariados, às novas lideranças e à sociedade em geral, nossa esperança é a de que como parte de um pensamento novo, ou melhor, ‘contemporâneo do futuro’, caminharão na busca do Poder, sem que dele pretendam se servir, mas para servir ao bem comum, e assim, inibindo, pela ação rejuvenescida e corajosa, aos que dele só pretendem gozar e usufruir.

Atenciosamente,

GERALDO PAULINO SANTANNA”

Encerrado o ciclo político, escreveu livro de memórias sobre a sua vida e os bastidores da política. O livro é um raro documentário sobre a intimidade do poder político em Salinas e Minas Gerais em suas várias facetas.

Geraldo Paulino Santanna foi um político de raras habilidades. O seu livro revela a intensidade e magnitude de sua vida pública em detalhes e sem pudor. Foi um dos mais emblemáticos personagens da política contemporânea mineira dos últimos tempos. José Monteiro de Castro, por quem Geraldo Paulino Santana tinha especial apreço sintetiza o político salinense ao fazer o seguinte comentário:

Acompanho a vida pública e particular, o comportamento e o trabalho do Santanna há muitos anos; senão o melhor, está entre os mais completos auxiliares que um Governador de Minas já conheceu; posso testemunhar que ele não se permite intimidades com nenhum governante a que serve, por mais tentado que seja; soube tratá-los, a cada um deles, de forma quase institucional, com extrema lealdade, respeito, dedicação e competência, com independência equilibrada, o que lhe permite ser sempre franco, mesmo quando precisa advertir o governante sobre as conseqüências desfavoráveis de algum ato; por tudo isso é ouvido com atenção e igual respeito. O comportamento de Santanna como auxiliar de governadores diversos, até opositores entre si, é a comprovação do que enfatizou a Rainha Vitória (Inglaterra), quando encerrou suas homenagens ao falecido Disraeli: ‘Les róis aiment celui qui parle juste’ (Os reis amam aqueles que lhes dizem a verdade na hora justa, na hora certa)”.

Autobiografia de Geraldo Paulino Santanna.
O livro de memórias “O Caminho de Volta – A Travessia do Deserto” (Belo Horizonte: 2005, 444 páginas, 2ª edição), de autoria de Geraldo Paulino Santanna é um raro e interessantíssimo documentário para quem deseja entender os bastidores da política do município de Salinas e Minas Gerais a partir da década de 1950. Eis alguns depoimentos do livro:


Geraldo Santanna é uma singular figura de cidadão e homem público. Tem dado a Minas Gerais, com dedicação, sobriedade, coragem, correção e argúcia, nos postos mais distintos, contribuição inestimável, que não se resume à sua Salinas inolvidável, mas alcança todo o Estado”. (OSCAR DIAS CORRÊA, Ministro aposentado do STF, professor de Economia Política pela UFMG e UFRJ, membro da Academia Brasileira de Letras).

Foi na vida pública que conheci Geraldo Santanna, tenaz combatente que prestou eficientes serviços ao governo do saudoso companheiro José de Magalhães Pinto. Nesta fase pude testemunhar a sua capacidade de aglutinação política, com inteligente e arguta coordenação para conciliar tendências partidárias concorrentes, tendo em vista o objetivo maior de conquistar espaço, consolidar apoios e prestigiar Minas Gerais”. (RONDON PACHECO, Governador de Minas Gerais, 1971-1975).

Li, de uma só sentada, o livro ‘O Caminho de Volta’. Conheço poucas obras que relatam com tão ricos detalhes a história política de Minas Gerais (...). Poucos políticos vivos podem relatar com riqueza de detalhes (...) a história dos últimos 50 anos do nosso Estado”. (LUIZ TADEU LEITE, Prefeito de Montes Claros).

Momentos decisivos da história do Brasil foram protagonizados por homens que, a partir de Minas, e com peculiar competência, fizeram inicialmente a política de âmbito municipal. É no município que está guardado o interesse fundamental das pessoas a quem um governo deve servir; a partir daí, aprende-se lidar com os problemas sociais na órbita estadual e federal. Os bons políticos levam para os cargos públicos, conhecimento do que deve ser feito na busca do progresso, mas também sentimentos e aspirações, às vezes dolorosas, do povo. Sua atitude na vida pública não busca interesse pessoal, repleta que deve estar desse patriotismo que somente as lembranças da terra da infância sabem construir. Geraldo Paulino Santanna fez esse caminho para a vida pública. Saindo de Salinas para o centro do poder no Estado, manteve a obrigação de comportar-se como sertanejo autêntico, de trato ladino e bem humorado”. (OSWALDO ANTUNES, Jornalista).

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SANTANNA, Geraldo Paulino. O Caminho de Volta - A Travessia do Deserto. Belo Horizonte: 2004, 2ª. Edição, 444 páginas.